Entrevistas C2PO

C2PO entrevista a Professora Nancy Lan Guo

Entre julho e agosto de 2024, o C2PO recebe Nancy Lan Guo, uma professora e pesquisadora sino-americana.

Nancy completou seus estudos de graduação em Bioquímica e Biologia Molecular na Universidade de Pequim, em Pequim, China, onde nasceu. Em seguida, mudou-se para os Estados Unidos, onde obteve seu Mestrado e Doutorado em Ciência da Computação, ambos pela Universidade de West Virginia.

Após dezenove anos como professora na Universidade de West Virginia, Nancy recentemente começou como Professora de Inovação SUNY Empire em Inteligência Artificial e Aprendizado de Máquina na Universidade de Binghamton, parte do Sistema da Universidade Estadual de Nova York (SUNY).

Além disso, em 2020, ela fundou a Sostos Inc., uma empresa de serviços de tecnologia e análise de saúde para medicina de precisão.

Ela veio ao Brasil após receber uma Bolsa Fulbright para descobrir biomarcadores e está desenvolvendo esta pesquisa no Centro de Oncologia Translacional (CTO) do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP).

Nancy concedeu uma entrevista ao C2PO.

 

C2PO: Você começou seus estudos na China e depois se mudou para os EUA. Agora você está pesquisando no Brasil. Essa experiência multicultural influencia seu trabalho?

Professora Nancy Lan Guo: Mudar de país foi uma experiência significativa porque exigiu que eu me adaptasse a uma nova cultura e a um novo idioma em uma idade muito jovem. Eu já era curiosa e ávida por aprender, mas isso me tornou mais adaptável e mais disposta e aberta a experimentar novas ideias.

Isso é algo que posso utilizar em minha pesquisa, pois me sinto confiante em sair da minha zona de conforto e explorar novos caminhos. Além disso, essa experiência me ajudou a entender a importância de ter perspectivas diversas e o valor de abordagens multidisciplinares no avanço da pesquisa.

 

C2PO: Você sempre esteve interessada em pesquisa? Qual foi o seu caminho para pesquisar o câncer sob uma perspectiva computacional?

Professora Nancy Lan Guo: Sim, eu já tinha interesse em pesquisa. Fiz meus estudos de graduação em Bioquímica e Biologia Molecular. Na faculdade, participei de um projeto nacional de genética de plantas de laboratório, que envolvia o isolamento de genes de plantas para ajudar as culturas a suportar melhor a seca. Essa experiência me fez perceber meu interesse em estudos do genoma, e também me fez querer estudar o genoma humano por seu potencial para contribuir com avanços médicos.

Quando terminei minha graduação, mudei-me para os Estados Unidos para seguir um doutorado em Bioquímica. Mas percebi que não era exatamente o que eu queria fazer. Então decidi deixar o programa de Bioquímica e começar um novo Mestrado em Ciência da Computação, focando em usar sinais de ECG (eletrocardiograma) para prever o início de eventos cardíacos adversos, que já era uma aplicação da computação na área da saúde. Tive que começar as aulas de ciência da computação do zero porque esse assunto não fazia parte dos meus estudos de graduação. Estudei muito para me tornar uma excelente aluna. E um professor me disse que, além de dominar a parte técnica, eu também tinha uma boa intuição para algoritmos computacionais, o que me deu mais confiança para seguir esse caminho.

Logo após o meu Mestrado, comecei meu Doutorado em Ciência da Computação e Informação, trabalhando em um projeto para a NASA desenvolvendo algoritmos que poderiam prever quais componentes de equipamentos eram mais propensos a falhar em missões. Ao mesmo tempo, também tive outra experiência em uma empresa privada onde liderei com dados de pacientes.

Essas experiências me deram as ferramentas para o que comecei a fazer depois, a aplicação da computação, agora denominada “Inteligência Artificial” (IA), à pesquisa do câncer.

 

C2PO: Pode nos contar mais sobre sua pesquisa atual sobre câncer?

Professora Nancy Lan Guo: Trabalho na identificação de biomarcadores.

Atualmente, estou trabalhando no desenvolvimento de um software de IA que pode escanear grandes conjuntos de dados genômicos e prever a melhor abordagem para rastreamento, diagnóstico, prognóstico e tratamento do câncer, permitindo uma abordagem personalizada para o câncer de um indivíduo.

Com nossa tecnologia de IA, podemos descobrir biomarcadores para personalizar planos de tratamento para cada paciente. Por exemplo, usando esses biomarcadores, podemos identificar quais pacientes se beneficiarão de uma terapia específica e prever sua resposta aos medicamentos disponíveis, para que eles não percam tempo e dinheiro e não sofram com os efeitos colaterais de medicamentos aos quais não responderão. Também podemos identificar novos medicamentos potenciais e novas indicações de medicamentos existentes de forma eficiente, com um custo muito reduzido e uma chance aumentada de sucesso em ensaios clínicos. Isso é feito usando IA para analisar dados genômicos abrangentes de pacientes, ou seja, multi-ômicas, e interpretar as importantes vias e redes moleculares em um tipo de câncer.

 

C2PO: Como é possível criar algoritmos (de natureza matemática) para prever a progressão ou metástase do câncer (de natureza biológica)?

Professora Nancy Lan Guo: Existe uma interseção muito complexa entre a matemática e a biologia nesse caso.

Por meio da pesquisa, é possível identificar genes que, em interação, são responsáveis pela progressão e metástase no câncer. É crucial entender que nem todos os genes de uma pessoa são importantes para determinar a chance de progressão ou metástase, então é necessário identificar quais genes específicos, em interação, desempenham um papel importante nesse resultado.

Durante uma pesquisa focada em câncer de pulmão, foi possível reduzir o número de genes de interesse para cerca de 200 genes, e então identificar os 7 genes determinantes para avaliar se um paciente pode ter progressão e metástase.

A partir da análise das interações entre esses 7 genes, é possível chegar a uma resposta muito conclusiva sobre as chances de metástase em um paciente com câncer de pulmão. Isso significa que pacientes com casos menos graves, que podem ser resolvidos apenas com cirurgia, não precisam passar por tratamentos mais agressivos, como quimioterapia.

Esta pesquisa se tornou o Cancer Treatment Optimization Solutions (CATOS), atualmente avaliado como uma “Nova Tecnologia” pela Food and Drug Administration (FDA). O CATOS-LU, focado em câncer de pulmão, foi testado com sucesso em 1.641 pacientes, incluindo um ensaio clínico randomizado de fase III.

 

C2PO: Você também é fundadora e CEO de uma empresa, a Sostos Inc. Pode falar sobre esse outro papel?

Professora Nancy Lan Guo: A fundação da Sostos está diretamente ligada ao CATOS: o CATOS-LU, focado no câncer de pulmão, é o primeiro produto da Sostos.

Uma grande dificuldade na pesquisa é superar a barreira entre o laboratório de pesquisa e a aplicação clínica, ou seja, transformar uma pesquisa bem-sucedida em um produto que possa beneficiar os pacientes, e fazê-lo com segurança.

Para tornar o CATOS uma realidade e garantir que ele chegue aos pacientes, tive que tomar uma decisão: entregar o controle da pesquisa a uma empresa estabelecida ou iniciar minha própria empresa e manter o controle sobre a pesquisa. Fiquei hesitante em iniciar a empresa porque não me via como uma empreendedora. Mas fui encorajada por colegas pesquisadores que fizeram o mesmo, recebi apoio da National Science Foundation (NSF) e também obtive apoio financeiro dos National Institutes of Health (NIH), uma agência do governo dos EUA. Mais uma vez, a curiosidade e a vontade de aprender foram cruciais para que isso acontecesse.

 

C2PO: Como você avalia os impactos de tecnologias como Inteligência Artificial e Big Data no avanço do diagnóstico e tratamento do câncer?

Professora Nancy Lan Guo: Para se ter uma ideia, o Projeto Genoma Humano, conduzido na década de 1990 e concluído no início dos anos 2000, exigiu US$ 3 bilhões para o sequenciamento genético. Hoje, um plano de saúde pode cobrir os custos de sequenciamento do genoma de um paciente com câncer. O uso de IA traz a possibilidade de analisar o genoma de um paciente e definir as melhores estratégias de tratamento considerando as características únicas dessa pessoa. Ela pode ser usada para definir o melhor tratamento no melhor momento, com segurança.

A aplicação do Big Data em oncologia também tem um impacto significativo. Com a capacidade de coletar e analisar volumes enormes de dados, é possível identificar padrões e correlações que antes eram invisíveis e fazer previsões para prevenir a progressão do tumor.

Além disso, a IA pode ser usada para auxiliar médicos em locais remotos que não possuem infraestrutura bem desenvolvida.

 

C2PO: Além de IA e Big Data, há alguma outra tecnologia em que você está prestando atenção?

Professora Nancy Lan Guo: Estou muito interessada em ciência de materiais, especialmente em nanotecnologia. A nanotecnologia tem um potencial incrível para uso em tratamentos oncológicos de precisão.

 

C2PO: Você acredita que seremos capazes de curar as diversas formas de câncer?

Professora Nancy Lan Guo: Sim, eu acredito que seremos capazes de fazê-lo. Acho que o maior exemplo é a leucemia infantil, que agora é uma doença altamente curável, com uma taxa de remissão completa de 90%. Isso só foi possível graças aos pesquisadores que descobriram que o trióxido de arsênio (ATO) poderia tratar os pacientes. Vai levar tempo e pesquisa, mas sou otimista em relação às curas para outros tipos de câncer.

 

C2PO: Por último, que conselho você daria para estudantes que estão seguindo uma carreira em pesquisa?

Professora Nancy Lan Guo: Mantenham-se sempre curiosos e ávidos por aprender. Não tenham medo de experimentar coisas novas ou de cruzar barreiras atuais. Eventualmente, todas as suas experiências valerão a pena. Isso inclui todos os seus sucessos e contratempos temporários.

 

C2PO: Obrigado pela entrevista! Há mais alguma coisa que você gostaria de adicionar?

Professora Nancy Lan Guo: É uma honra e um privilégio me tornar uma Fulbright US Scholar para o Brasil. Agradeço a hospitalidade da Universidade de São Paulo como instituto anfitrião e também quero agradecer ao professor Roger Chammas por sua recepção cordial.

Espero desenvolver ainda mais nosso projeto colaborativo aqui, beneficiando as populações de pacientes com câncer local e globalmente. Estou ansiosa para interagir com os alunos e professores em meus futuros esforços educacionais e de pesquisa.

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